No tempo da minha avó, o meu avô andou a ronda-la durante três anos até conseguir conquistá-la. Namoravam pela janela. Ela lá em cima, ele cá em baixo. Como a minha avó vivia no segundo andar, a vizinha do primeiro andar tornou-se amiga dos dois. Felizmente era gorda e nada bonita, pelo que não oferecia nenhum perigo ao início do romance. Os meus avós foram casados 60 anos. E muito felizes. Tudo isto graças a um namoro à janela. Pelo que, bem vistas as coisas, embora fossem outros tempos, ele conseguiu conquistá-la.
A minha avó era linda, loira de olho azul, alta, com boa figura, chique a valer, coquette dos pés à cabeça. Toda ela era vestidos, sapatos de salto alto e carteiras de verniz e de crocodilo, casacos de pele e saídas de piscina do mais elegante que já vi. O meu avô era baixo, careca, com os dentes ligeiramente salientes que lhe davam um certo look cavalar, nariz grande e olhos de cão vadio. Mas tinha uma grande qualidade que superava a sua fraca figura; era muito persistente. Apresentava-se todos os fins de semana, quando saía do colégio militar, para conquistar a sua donzela, qual Príncipe que namora com Rapunzel.
Nunca soube se chegou a subir por uma escadas de corda – a minha avó nunca usou tranças compridas, o que inviabiliza a técnica engenhosa descrita no conto de fadas – e imagino que a vizinha do meio a fazer de chapperon também não o teria permitido.
O facto é que ao fim de alguns anos, a minha avó foi-se habituando à presença daquele rapaz persistente e acedeu em casar com ele.
Diz esse grande poeta, Vinicius de Moraes, subvertendo a sabedoria popular que quem feio ama, bonito lhe carece, e eu acho que ele está carregado de razão.
Embora feliz com o casamento, a minha avó nunca deixou de reparar em bonitos rapazes como ela dizia, fossem eles amigos das filhas, das netas, netos, primos e sobrinhos. Uma vez, ao conhecer um namorado meu, exclamou:
- Lindo rapaz, minha querida! Muitos parabéns por teres um namorado tão bonito!
E, virando-se para ele, acrescentou:
- Sempre gostei de homens bonitos, e olhe, casei-me com aquela tampa de açucareiro que ali vai.
A tampa de açucareiro era o meu avô e quando esta cena se deu, já eram casados há mais de 40 anos.
Tudo isto para contar que o meu pretendente, embora bem na vida e com os dentes direitinhos, me faz lembrar um pouco o meu avô, essencialmente pela falta de estatura. A sabedoria popular também diz que os homens não se medem aos palmos, mas eu sou como o poeta, gosto de subverter tudo à minha maneira e para mim os homens medem-se por tudo e mais alguma coisa, da inteligência e educação à generosidade, passando pela altura real. Um homem baixo será sempre um homem baixo e daqui não saio, daqui ninguém me tira. Não acho nem bem nem mal, mas para mim não serve.
Se calhar a minha avó apaixonou-se pelo rapaz que via lá em baixo na rua exactamente por isto, porque nunca se apercebeu da altura dele. E como já não vou vier 60 anos, para quê pensar em casar-me com este’
- Nada disso, prefiro continuar como estou. A tal vizinha nunca casou, ainda é viva e trata-se de uma das pessoas mais felizes e realizadas que já conheci.

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